Caio Pimenta
No meio do tiroteio eleitoral
entre Aécio Neves e Dilma Rousseff durante a campanha pela Presidência da
República, o tema da regulamentação da mídia sempre encontrava espaço nas
discussões. Apoiadores do ex-governador de Minas Gerais acusavam o PT de tentar
com a medida uma censura à liberdade de imprensa e expressão, enquanto os
partidários da candidata à reeleição levantavam a bandeira de uma imprensa
contrária ao atual governo com viés golpista ao dar mais voz à oposição.
A reportagem da Revista Veja na semana do
pleito denunciando Dilma e Lula como participantes do esquema de corrupção na
Petrobrás tendo apenas como prova uma suposta declaração do doleiro Alberto
Youssef em depoimento à Polícia Federal fizeram os ânimos se exaltarem ainda
mais. Protestos
em frente à Editora Abril com direito a atos de vandalismo e manifestações
em prol de Aécio com a capa da publicação nas ruas do país mostraram a
divisão antagônica de uma parte da população.
Com discursos de ódio de ambas as
partes e uma intransigência para se escutar pontos de vistas contrários
demonstrados, principalmente, no segundo turno da campanha eleitoral, o avanço
do debate sobre a regulamentação da mídia se mostra em um cenário conflituoso.
Esse panorama impede o clareamento do que seja necessariamente uma
regulamentação do setor, permitindo a manutenção de irregularidades e situações
prejudiciais para a pluralidade de vozes.
O caso mais gritante disso está
relacionado às concessões de emissoras de televisão e rádio a políticos. Mesmo
com a determinação do artigo 54 da Constituição Federal proibindo que deputados
e senadores firmem ou mantenham contratos com empresas concessionárias de
serviço público, a falta de regulamentação do setor abre brechas para
parlamentares serem acionistas de meios de comunicação.
Segundo o site Congresso em Foco,
a
legislatura de 2006-2010 tinha ⅓ dos 81 senadores e 10% dos 513 deputados
federais como sócios ou proprietários de empresas relacionados ao setor. Já
entre os parlamentares de 2010-2014, 56 políticos ao todo eram donos de
veículos de comunicação. De
acordo com reportagem da Folha de São Paulo, 32 empresas de TV, 141 de rádio e
16 jornais impressos tinham candidatos como acionistas ou proprietários no
pleito deste ano. O fato cria o risco de produção de jornalismo com uma
linha editorial favorável a esse político, enquanto os opositores podem
enfrentar graves dificuldades para conseguir espaço, independentemente se a
emissora for uma concessão pública.
Partido fundamental para a
sustentação do governo Dilma no Congresso Federal, o PMDB tem o maior número de
parlamentares com concessões de TV e rádio no Brasil: 12 políticos. Dona da TV
Mirante, afiliada da Rede Globo, a família Sarney está entre os nomes da lista.
A oposição também faz parte da festa: o DEM possui 11 parlamentares acionistas
ou sócios de meios de comunicação, sendo o nome mais célebre de ACM Neto,
herdeiro do legado construído pelo avô Antônio Carlos Magalhães na Bahia. Até
mesmo o ex-presidente com impeachment no currículo e atual senador, Fernando
Collor de Mello, aparece como proprietário da TV Gazeta de Alagoas.
História
A concessão pública de emissoras
de televisão e rádio Brasil afora sofreu uma elevação excessiva durante a
ditadura militar. No livro “Vozes da Democracia – Histórias da Comunicação”, a
coletânea de reportagens mostra que somente nos últimos dois meses do governo João
Figueiredo (1979-1985) houve 91 decretos de concessão, privilegiando grandes
empresas como Bandeirantes e SBT. Com a chegada do governo Sarney, houve a
criação, segundo a pesquisadora Anita Samis no texto “A Legislação Sobre as
Concessões na Radiodifusão”, de uma comissão para investigar possíveis
irregularidades nesses atos. O grupo, porém, foi liderado justo por Antônio
Carlos Magalhães e, sem surpresas, não se descobriu nada ilegal.
Como as renovações das concessões
de radiodifusão no Brasil são analisadas por comissões do Congresso Nacional
com a presença de integrantes, muitas vezes, ligados a esses meios de
comunicação, o que se vê é a facilidade das emissoras continuarem a funcionar
mesmo sem cumprir o que determina a lei.
Fora isso, o lobby feito por grandes veículos de comunicação perante
parlamentares influencia nas decisões, pois, os políticos temem se desgastar
junto a empresários capazes de modificar a opinião pública. Isso permite a
proliferação da propriedade cruzada em que uma empresa possui veículos fortes
nos mais diversos setores da comunicação (TV, rádio, jornais e revistas
impressos, Internet), ameaçando a livre concorrência.
Para piorar, a regulamentação da
mídia e o impacto dela na sociedade ainda não são temas compreendidos por
grande parte da população, abrindo espaço para a desinformação. Toda vez que o
assunto se torna a pauta do dia surge o temor de uma censura à imprensa e a
regulação do conteúdo publicado nos meios de comunicação.
Em
editorial sobre o assunto no dia 18 de junho de 2014, o Estadão mostra
preocupação ao analisar que “quando políticos reverentes ao totalitarismo
cubano, simpatizantes das aventuras bolivarianas e do fundamentalismo islâmico
falam em “controle social da mídia”, só é possível concluir que sejam, também,
adeptos da mordaça, do cerceamento da liberdade de expressão e da imprensa”.
A simplificação também presente em textos de colunistas influentes como Reinaldo
Azevedo, da Revista Veja (“a melhor coisa que o PT pode fazer para “controlar a
mídia” é manter a permanente ameaça de… controle da mídia, entenderam?”) alimenta um temor de Estado totalitário com uma imprensa
voltada apenas para os interesses do partido governista, causando o fim da
discussão sobre o assunto antes mesmo do aprofundamento necessário.
O
radicalismo do discurso quanto à regulação da mídia também caracteriza os
defensores da proposta. O debate sobre o assunto retorna sempre com mais força
quando o governo do PT se vê acuado como no julgamento do Mensalão ou na
intensa disputa eleitoral deste ano com a revolta de muitos apoiadores de Dilma
com as capas da revista Veja e a cobertura da Rede Globo. Em vez de ser mais
ampla e abrangente, a discussão acaba resumida sendo contaminada por questões
eleitoreiras ou políticas momentâneas como faz o jornalista e sociólogo Venício
Lima no texto
“Marco regulatório: a gota d’água” publicada no
site do Observatório da Imprensa.
Mesmo
sendo necessária e urgente, a regulação da mídia deve continuar emperrada seja
pelos interesses de políticos e empresários milionários e/ou pelo acirramento
ideológico vivido no Brasil neste ano. Enquanto isso não for ultrapassado, a
possibilidade de um setor mais plural com vozes das mais diversas classes
capazes de expor ideias e pensamentos diferentes parece cada vez mais distante.
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